Numa tarde bonita de sol, no inverno, fui visitar o seu Claudiomiro, ele mora no interior, num lugar que eles chamam Costa do Irati. Ele tem um sítio, nas terras de um Distrito de Palmas. Seus pais nasceram por lá, ele nasceu e lá está, por noventa e três anos. É um velho? Que nada! Tem uma lucidez, saúde e uma sobriedade que dá inveja aos madurões urbanos que conheço. Por que fui até lá? Ora, sempre vou por essas bandas, desde pequena, quando meu pai tinha uma “bodega” e abastecia o pessoal do interior, e tinha que fazer a entrega das mercadorias, eu ia com ele.
Lembro que chegavam bem cedinho, alguns vinham no ônibus de linha, outros vinham a cavalo, traziam uma lista de compras, ficavam andando pela cidade até minha mãe fazer o “rancho” e depois, meu pai levava as compras. Nós íamos de rural, sempre cheia até o teto. Muitas vezes, levávamos as pessoas e até o cachorro da família, que vinha junto para a cidade. Para mim era uma festa, eu viajava ouvindo os causos deles, chegando lá, eu comia farinha de biju com leite, bolinho na graxa, ou pinhão assado na brasa, quando era época, enquanto eles descarregavam a rural e papeavam no pátio da casa, sempre rodeados por porcos, galinhas, cães e gatos, tomavam chimarrão e contavam causos.
Às vezes, levavam meu pai até alguns recantos e mostravam onde tinha se dado o acontecido, que eles relatavam, eles sempre gostavam de contar, mostrar e provar tudo o que diziam, não queriam deixar dúvidas. Eram conversas intermináveis. Na volta eu sempre vinha no colo de meu pai, “dirigindo” a rural.
Foi assim, também, que comecei a ouvir as histórias e os causos deste povo sábio, que “se esconde” nas matas de nosso país, vivendo anonimamente, e aprendi a gostar de ouvir suas histórias. Então, de vez em quando, eu recomeço as conversas e numa dessas, ouvi a história que conto.
Eu tinha ido conversar com Seu Claudiomiro para saber das histórias dos escravos que viveram na região, era uma pesquisa que eu vinha fazendo, mas ele desviou a conversa;
Na verdade, quem dirige sempre a conversa é ele. Eu deixo. Neste dia ele desviou a conversa para contar de um afilhado seu, que tinha matado o amante da sua mulher e fora condenado por doze anos de prisão, havia fugido. Seu compadre estava preocupado, porque o filho não tinha chegado em casa ainda. E seu compadre tinha recém saído da casa de Seu Claudiomiro, talvez por isso quis contar da preocupação dele.
-“Pra ondé que foi esse piá? Pruquê inda num veio pra cá? Será que pegáro ele”? (resolvi deixar a escrita próxima da fala de Seu Claudiomiro. Não sei se consegui, mas... vamos lá!).
Eu logo respondi que, certamente não pegaram, pois notícia ruim chega logo e como eles não sabiam de nada, não havia motivo para se preocupar. E acabei perguntando mais sobre a história e seu Claudiomiro começou a falar e viajar no tempo.
Me perguntou:
- O qué ca senhora acha? Um home tem que agüentá isso? Mais nem que não gostasse da muié, tinha que tomá atitude!
Assim, acabamos falando também de antigamente. Seu Claudiomiro me disse:
-Antigamente tudo mundo vivia em paz, a gente trabaiava, festiava e cuidava dos fio. Num ia na igreja pruquê num tinha, mas quando o Padre vinha, era festa! A gente dava muito tiro de alegria.
- Tiro? De revólver?
-Claro, né! Tiro de quê?
- Bombinha? (ele riu e repetiu “bombinha!!) Eu continuei. Vocês andavam armados? Se todos viviam em paz, precisavam de armas?
-Ara! E num tinha as fera? Aqui tinha inté onça, dona! Nóis ia pra roça, armado. Sabe cumé, abri picada, derrubá mato, espaiá as pranta, ficava tudo dia fora, ia a muié e as criança, tinha que tê resguardo da famía! I também nas festa, a gente levava pra se diverti, num tinha os tar foguete /bombinha...(e riu, ao falar isso). Sem falá que das veiz tinha os atrevido, que vinha de fora, bebia demais e mexia cás muié dos otro e prá não ficá mar, tinha que lavá as honra. Daí já tinha o revórve.
-De onde vinham as armas?
- Daqui memo! Nóis fazia. Comprava os cano, trabaiava nele, amarrava bem num pedaço de pau, tudo bem apreparado, das veis inté as bala, nóis fazia co chumbo. Aquele tempo o povo era mais sabido, comprava só o que não pudia fazê, de resto fazia tudo.
-E dava muita morte, por aqui?
- Que´sperança! Agora é que dá! Dantes era vez otra. Lembro de quando era piá, tudo era paiz, as pessoa se ajeitava por aqui memo. Inté que chegou a tar milícia co Delegado do Governo.
Numa festa, dessa, que o povo sempre fazia pra comemorá as coisa, um moço bebeu demais e mexeu cá fia do dono da festa, o que ele feiz? Matô o tar. Eu já tinha minha muié e achei que ele acertô! Botô as coisa em orde, o seu Maneco! Era esse o nome dele. Acontece que o tar representante do governo resorveu aprendê o coitado. Foi um entrevero, nóis num dexemo e ele se arribô pro mato. O tar do delegado nunca que pegô ele.
-E era um delegado só, não tinha policiais com ele?
-Ara se tinha, uma milícia! Pois num é que acabaram, despois daquele acontecido, mandando uma milícia de polícia secreta pra cá, co delegado. Intão era um descuido e os home ia preso! Inté quando tinha que defendê a muié, o marido acabava preso. Arre! Donde já se viu isso? A gente não mandava mais no terrero. Os tar dava as orde.
-Eram muitos?
- Quem? O Delegado? Era um só!
-Não, os policiais que ficavam aqui.
- Dizem que eram pra lá de vinte.
-Dizem? Quantos o senhor conheceu? Dois, três?
-Ara, dona, cumé que eu ia conhecê se eles era secreta! Eu num disse que vieram os tar polícia secreta, a milícia? A gente num via eles, mas na hora que precisava, dizem que eles pudia vim! Eu memo nunca percisei, intão nunca vi, só o delegado, esse sim, andava sempre por lá, em especiar nas festa.
-E não era bom ter essa segurança?
-Barbaridade! Que não era! Pois nosso compadre, o Maneco, aquele que lhe contei, fico fugido, morando no mato. Nóis é que levava notícia, comida, ropa, tudinho que ele apercisava. Ele se arranchô por lá memo. Ninguém nunca que achô ele.
-Dizem? Quantos o senhor conheceu? Dois, três?
-Ara, dona, cumé que eu ia conhecê se eles era secreta! Eu num disse que vieram os tar polícia secreta, a milícia? A gente num via eles, mas na hora que precisava, dizem que eles pudia vim! Eu memo nunca percisei, intão nunca vi, só o delegado, esse sim, andava sempre por lá, em especiar nas festa.
-E não era bom ter essa segurança?
-Barbaridade! Que não era! Pois nosso compadre, o Maneco, aquele que lhe contei, fico fugido, morando no mato. Nóis é que levava notícia, comida, ropa, tudinho que ele apercisava. Ele se arranchô por lá memo. Ninguém nunca que achô ele.
Só noís sabia do lugar. Adespois, acabou sendo de serventia pros otro, já que ele era fugido, quando dava um acontecido, ele vinha pra lavá as honra, tudo mundo sabia que era a pedido, mais ninguém falava e aceitava... tava feito, o home ficava cheio de novo. Em troca os favorecido cuidava dele. I ansim foi por bastante tempo. Adespois ele acabô no mando dum fazendero, intão polícia nenhuma chegava perto. Ele tinha costas, né?
-E que fim ele levou?
- Que fim? Da úrtima veiz que sube dele, tava pras banda do Mato Grosso, foi co tar dono de muitas terra. Corre sorto que ele engrossô no dinhero. Enricô. Tinha inté famía e não se buliu com ele. Tava protegido. Deve de tá morto, ou recostado nargum canto desse mundo de Deus. Mais é ansim. Ele era home de honra, home forte, valente, home bão. Fez muito favô pros home daqui, tudo por amizade. Hoje não é mais ansim, não tem amizade boa. Se apercisá de um favô tem que pagá, se não tem dinhero, tem que fazê e ficá fugido, ou i pra cadeia, inguar o fio do cumpadre.
-O mundo tá mudado. Home bão, o seu Maneco! Inté meu otro compadre, o Joaquim, que já morreu, sempre se alembrava dele e do favô que o seu Maneco fez prele, da veiz que abusaram da fia dele. Foi muito triste!
- O senhor nunca precisou da ajuda do seu Maneco?
- Pois sabe que não! Mais, faiz farta o danado. Agora o fio do compadre pudia inté tá casado de novo, mais não, tá é fugindo, o coitado!
Eta mundo véio! Tudo muda e muda pra pió!
Mais hoje, a sinhora quiria falá do quê?
-O mundo tá mudado. Home bão, o seu Maneco! Inté meu otro compadre, o Joaquim, que já morreu, sempre se alembrava dele e do favô que o seu Maneco fez prele, da veiz que abusaram da fia dele. Foi muito triste!
- O senhor nunca precisou da ajuda do seu Maneco?
- Pois sabe que não! Mais, faiz farta o danado. Agora o fio do compadre pudia inté tá casado de novo, mais não, tá é fugindo, o coitado!
Eta mundo véio! Tudo muda e muda pra pió!
Mais hoje, a sinhora quiria falá do quê?
(Nazaro, Lucy Salete Bortolini. Causos do Coração de Minha Terra. Palmas-Paraná, 2008. (Livro em Mimeo)
(Lucy Nazaro é Membro de Poetas del Mundo. Cônsul para Palmas-PR.)
Disponível em: http://muraldosescritores.ning.com/profiles/blogs/seu-maneco-um-matador-de/edit. 22/01/09. 11h30 p.m
Meus "causos" são resultado de conversas com pessoas com mais de 70 anos de idade, que gostam de conversar. Verdades? Mentiras? Não importa. Importa que eles têm histórias para contar e eu gosto de ouvir, registrar e reinventar... Eu faço pesquisa na memória oral como fonte literária.
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- Quando o coração começa a viajar cedo na vida, vai se espalhando e esparramando um pedaço da gente em cada canto por onde passamos. Acho que comigo foi algo assim. Minha família sempre ficou com a maior parte, talvez, também, a melhor, mas alguns pedacinhos indiscretos foram se perdendo pelos caminhos. Quando comecei a querer recrutá-los de volta, mandei muita correspondência, escolhi a forma poemas, a forma frases, pensamentos, mas nenhuma resposta imediata. Depois, enviei contos, romance... e usei a internet com suas múltiplas doses de endereços. Comecei a perceber que o que deixei para trás não há como recuperar, mas há sim um jeito de reconstruir esse coração, com novos arranjos, novos pedaços, colhidos aqui e acolá, alguns até parecidos com o meu, e penso que posso torná-lo inteiro novamente. Continuo usando as mesmas formas, porém, com novas fórmulas e novos endereços. Estou gostando das respostas que recebo. Meu coração ainda viaja, mas agora tenho roteiro e carteira de motorista! Prof´Eta (Professora e Poeta).
PÉROLA DO UNIVERSO
Uma curva desvia o que era destino,
Uma força, um vento, um siroco menino
Um grão perdido no sideral espaço
Cria a pérola solitária do universo.
Um róseo coração saltita pelos ares
Navega em barco a vela pelos mares
Voa inquieto, solitário burbulhando amor
Enfeitando jardins verdes de colorida flor.
Há um sonho que insiste se mostrar amarelo,
O quero azul, verde ou vermelho, mas sincero
Exibindo a nave do cósmico voante que o leva
E me busca e em dreams suaves nos enleva.
Mais um risco de um vento no universo... e um grão se fará pérola...
Uma força, um vento, um siroco menino
Um grão perdido no sideral espaço
Cria a pérola solitária do universo.
Um róseo coração saltita pelos ares
Navega em barco a vela pelos mares
Voa inquieto, solitário burbulhando amor
Enfeitando jardins verdes de colorida flor.
Há um sonho que insiste se mostrar amarelo,
O quero azul, verde ou vermelho, mas sincero
Exibindo a nave do cósmico voante que o leva
E me busca e em dreams suaves nos enleva.
Mais um risco de um vento no universo... e um grão se fará pérola...
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